sexta-feira, 8 de maio de 2009

Leis e corpo

A quem pertence o corpo de cada um? À pessoa individual? Ao estado? À sociedade? Esta é uma questão que surge ao vermos a noticia de que o governo PS quer proibir determinados piercings. Desde já a ideia parece ser bem mais complexa do que isso, pois alegam que a proibição deve-se estender a piercings e tatuagens que causem lesões nos vasos e lesões cutâneas, excepto nas orelhas. E porque não nas orelhas? Não têm vasos? Nem pele? Que raio de conceito anatómico é este?
A desculpa é que se está a zelar pelo bem estar físico das pessoas. Claro um governo que insiste em desmantelar o Sistema Nacional de Saúde, promove a colocação de cabos de alta tensão em áreas residenciais, não combate a poluição atmosférica, é obviamente um governo preocupado com o bem estar dos seus cidadãos.
Mas políticas governamentais à parte, temos a Ordem dos Dentistas a manifestar o apoio a esta lei, pois afirma que os piercings na região da boca estragam os dentes. Os rebuçados e as pastilhas também. Deveremos proibi-los? Ou deveremos criar uma sociedade de pessoas que não consomem açúcar, não fumam e todas possuem aparelhos correctivos. Que bela e uniforme sociedade seria... Principalmente quando não existem dentistas no Sistema Nacional de Saúde. Nota-se a importância da saúde dentária para o Governo...
Não duvidemos que quer as tatuagens, quer os piercings, produzem lesões na pele e nos vasos, a pessoa tende a sangrar quando faz qualquer um dos dois. Isso é suficiente para proibir algo? Assim bem depressa, vem à mente que o boxe produz lesões irreversíveis no cérebro, lesionando também narizes, bocas, dentes, fígados e rins. Não estarão os jogadores de futebol mais sujeitos a lesões nas pernas que alguém que não pratique desporto? Ou os dedos dos judocas não se partem mais frequentemente? Ou os andebolistas não terão mais lesões nos ombros? Mas praticar desporto é incentivado pelos nossos governantes. Até porque dá saúde...
O pormenor que estraga ainda mais a teoria é a orelha. Muitas crianças de sexo feminino são sujeitas a piercings antes até de conseguirem dizer não, quanto mais não quero. Mas aqui não há problema, nem danos para a saúde. Será lapso? Desconhecimento? Ou imposição cultural? Pois se calhar é isso... Estamos a querer impor parâmetros culturais e estéticos à bruta. E como dizia Bourdieu: “A intolerância estética pode ser terrivelmente violenta” (Distinction: A Social Critique of the Judgment of Taste; Harvard University Press, 1984).
Para as pessoas BDSM esta intolerância é bastante presente e sentida, como se a dor não pude-se ser uma sensação prazerosa. Para as pessoas LGBT também, porque é o corpo sexual que está em causa. Eu posso ter sexo com pessoas de um género diferente do meu, mas se for com alguém do meu sexo, já não posso? A quantas pessoas posso entregar-me sem estigmas sociais? È a nossa representação física de papeis de género, do que é um corpo de homem, ou de mulher, do que é uma relação amorosa, de quantas pessoas podem participar na mesma. Esta causa também é nossa. E é nesta altura de comemoração de liberdade, que é o 25 de Abril, que podemos ver que ainda existem pessoas que nos querem manter os corpos dentro de um fascismo totalitário.

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