quinta-feira, 23 de julho de 2009

Mononormatividade

Isto é um extracto, adaptado, de algo que escrevi especificamente para o Polyportugal, e para o Our Laundry List (meu blog pessoal sobre principalmente poliamor).

Uma palavra muito importante nas lides activistas LGBT (ou quaisquer outras pelos direitos humanos, na verdade) é mononormatividade. (a palavra foi inventada primeiro como slang, e pegou como "exagero" ou superlativo de "normativo").

Descreve, a maioria dos mecanismos que fazem com que nos comportemos de maneira pré formatada... é a pressão social que nos diz que ser gay ou não-monogâmico é errado, é a pressão que faz com que não vamos trabalhar de calções, mesmo que isso não afecte a nossa competência, ou não dizer ao chefe que não somos do Benfica, é tudo o que nos impele para um sentimento de minoria que se livraria de sarilhos se passasse a ser maioria, ou que, no caso de não impelir, nos tornam eventualmente alvos de discriminação (não se pode mudar a raça, a nacionalidade, a idade, por exemplo..).

Reparem que, atabalhoada como poderá ser a minha explicação, mononormatividade não é a mesma coisa que discriminação, embora mononormatividade quase sempre seja discriminatória..

Mononormatividade é um tema muito vasto e hoje quero deixar-vos apenas os acepipes como entrada, e mais para a frente e conforme o vosso interesse podemos pegar ou aprofundar outros aspectos.. Os exemplos que vos deixo são mais ou menos poly-relevantes pois é a realidade onde levo mais porrada e que conheço melhor. Deixo vos o trabalho de casa de procurar exemplos noutros campos... Mas os exemplos acima, em que um trabalhador não revela a sua orientação sexual minoritária no trabalho (de todo, ou antes de mostrar que é mais competente que os outros), ou que um estrangeiro nem tenta procurar apartamentos em certos bairros mais privilegiados, ou que um vegetariano já nem vai a certos jantares para não ouvir certos comentários, ou que uma mulher já nem tenta explicar porque certas anedotas são ofensivas, são um bom principio.

Indo então para os direitos sexuais, temas caros a este blog e a mim, gostava de vos chamar a atenção para um dado interessante e que é um bom ponto de partida, é que mesmo pessoas que não contestem a monogamia ou o modelo heterossexual, mas que não encaixam no modelo do casal monogâmico, são encaradas com desconfiança. As constituições dos países ocidentais, teem, desde há relativamente pouco tempo (80 anos), explicitamente passado a mensagem que a base da sociedade é a família e não mais o individuo (Comparem as primeiras constituições europeias de há +180 anos com as de agora, e vejam toda a celeuma à volta dos casamentos para pares do mesmo género, explicados como direitos, mas que no fundo promovem privilégios aos indivíduos que escolhem casarem-se em detrimento ao individuo que o não faz).


Pessoas que vivem sozinhas, e que até sejam felizes (Quirky Alone), são vistas como doentes ou uma excepção à utopia da felicidade universal, ou mesmo um perigo para a sociedade. Mecanismos como o swing ou a neo-monogamia, com tudo o que teem de libertário, começam a ser bem vistos apenas desde que não haja envolvimento emocional e o casalinho original se mantenha intacto. Criticas, construtivas ou não, feitas ao casamento tal como ele é, são anátema para muitos políticos (por ex: Deputada critica casamento) que preferem nem se meter nisso. Evidência histórica que o casamento já foi uma instituição diferente, ou que houve outros contractos sociais paralelos (ver Affrérements ou casamentos entre homens na península ibérica até ao séc. XI) com diferentes papeis, e diferentes expectativas, é sistematicamente esquecido... Algo que cheire a "promiscuidade" é sempre o culpado dos tremores de terra, epidemias, e um par de botas, em vez de se procurar as verdadeiras causas e actuar sobre elas... Mas pular a cerca nunca será uma causa de tremores de terra, porque não conta como promiscuidade, não ameaça o par original..


Entendo que ninguém, nem Estado nem vizinhança, tem o direito ou sequer o capricho de interferir no que dois (ou três, ou vinte) adultos consentâneo fazem uns com os outros, por uma noite ou por uma vida inteira. Isto é válido no que diz respeito à monogamia, à orientação ou desorientação sexual ou de género ou mesmo ao cheiro do aftershave (*). isto são discriminações mononormativas. Por outro lado, é contra os pilares de uma sociedade que se diz livre, inclusiva e diversa, que tal interferência, por Estado ou vizinhança ou empregador aconteça.


Ficou claro?


é por isso que aqui estamos..


obrigada por lerem, e agradeço os vossos comentários e perguntas.


(*) convido para um mojito quem me disser quem é que foi o artista que foi discriminado, alegadamente, por causa do aftershave que usava.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Alguns pontos a reter da Declaração dos Direitos Humanos

Artigo 1°

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

Artigo 2°

Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.

Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.

Artigo 3°

Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 7°

Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 8°

Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.


Artigo 9°

Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 19°

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão.

Artigo 22°

Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país.

Artigo 28°

Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente Declaração.

Artigo 29°
O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.
No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática.
Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente aos fins e aos princípios das Nações Unidas.
Artigo 30°

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma actividade ou de praticar algum acto destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados.

Quando é que esta declaração será aplicada em Portugal às pessoas Transexuais, aos membr@s da “comunidade” LGBT? A tod@s @s cidad@s(ãos)? Depende de nós!

Fonte: http://www.unhchr.ch/udhr/lang/por.htm


ASSASSINATO DE GISBERTA DO CRIME, DO ÓDIO, DO BRANQUEAMENTO EM CURSO, DA NOSSA CÓLERA!

Lançada ainda viva ao fosso. Vítima não apenas de agressão, mas também de sevícias sexuais, indica a autópsia. A cada dia que passa, aumenta o horror dos pormenores sobre o assassinato de Gisberta, mas também a nossa indignação com a forma como o caso tem vindo a ser noticiado, comentado, ou mesmo "branqueado".

"Como foi possível?", pergunta a capa do jornal Público de ontem. Mas a pergunta a fazer é "como foi possível que ainda não tivesse acontecido?" Ou não sabemos o país que pisamos? Ou não conhecemos a realidade de um sistema de protecção de menores que mais não é que a continuação do abandono e dos maus tratos? Ou não sabemos da violência da exclusão social entre nós, e das políticas que a promovem? Ou não sabemos da discriminação que sofrem os sem-abrigo, os seropositivos, @s prostitut@s, @s homossexuais e particularmente @s trans, que até na comunidade gay são fortissimamente discriminad@s?

É chocante que o jornal Público utilize os termos "acção mais inconsciente que premeditada". Assumamos que não houve intenção de matar: o que há de inconsciente e não premeditado no insulto transfóbico e na agressão continuadas, no levar progressivo da violência à sua forma mais extrema, na prática de tortura e sevícias sexuais sobre uma pessoa que não tinha hipóteses de defesa ?

É vergonhoso e tristemente revelador que tendo o movimento LGBT organizado mais de uma década de história em Portugal, a comunicação social não saiba ainda a diferença entre uma transexual e um travesti , ou entre homofobia e transfobia, orientação sexual e identidade de género, mesmo sabendo que num primeiro momento de reacção ao crime, as próprias associações gays e lésbicas (mais uma vez por falta de comunicação com a única associação trans existente em Portugal) contribuíram para estas duas últimas confusões. Os jornalistas deviam questionar seriamente a sua consciência profissional, os seus próprios preconceitos, a abordagem mediática à questão dos direitos LGBT, com particular incidência sobre a população trans, a mais vilipendiada, gozada, usada, discriminada, desfavorecida, desprotegida e incompreendida no universo mediático, na sociedade e mesmo na envergonhada e preconceituosa comunidade gay, que, dizemos há muito, também deve pôr a mão na consciência, porque também é culpada pela exclusão e abandono da população trans, e reproduz por vezes ao quadrado o preconceito, a ignorância e a perversidade de uma sociedade assente na hipocrisia e na violência sexista e heterossexista.

Muitos órgãos de comunicação social optaram por se referir apenas a uma pessoa "sem-abrigo". Em circunstâncias normais, até poderia ser bom que uma pessoa fosse descrita exactamente como "pessoa" pela imprensa sem recurso a características que são alvo de discriminação social - Transexual, sem-abrigo, seropositiva, prostituta. Mas cada vez fica mais claro o papel que (certamente também) tiveram o preconceito e a discriminação neste crime, e mesmo se assim não fosse, o preconceito já expresso por muitos comentadores na reacção ao crime exigiriam que disto se falasse.

Não cabe aos jornalistas - nem a ninguém - decidir se foi a característica "sem-abrigo" a que pesou mais nas motivações para o acto, ou qualquer outra. Infelizmente, coube ao preconceito. Gisberta acumulava exclusões, nenhuma delas pode ser omitida. Transexual que era, e vítima da transfobia à portuguesa. Muito mais do que enumerá-las todas (como temos feito), omitir essa característica é esconder (mais do que) prováveis motivações e querer atribuir ao crime, sem informação que o sustente, uma ou outra motivação particular. Com o que se sabe, só há duas atitudes correctas: ou evitar referir motivações e esperar por mais informação, ou, como fizemos, considerar o conjunto das possíveis motivações. Tudo o resto é, mesmo que não queira sê-lo, manipulação grosseira e reforço da discriminação.

É criminoso que o padre Lino Maia, presidente da União das Instituições Particulares de Solidariedade Social e também director da Pastoral Social e Caritativa da Diocese do Porto, tenha insinuado na quinta-feira que a vítima andaria a "molestar" os jovens, para ontem surgir na RTP com uma nova versão, diferente e ainda pior, sustentando que os rapazes teriam "circunstâncias atenuantes" porque um outro rapaz da instituição andaria a ser assediado por um pedófilo (que não - obviamente - a vítima). Até perante a morte de uma pessoa, os responsáveis da Igreja continuam a lavar as mãos de responsabilidades sobre o preconceito e a tentar fugir com o rabo à seringa através da associação abusiva entre abuso de menores e a população LGBT. Desespero, de alguém que não percebe que com tais declarações reforça a convicção da motivação discriminatória deste crime?


É normal que a colunista Helena Matos se exprima hoje no Público com um artigo que parece ter por único objectivo negar - sem bases - qualquer componente relacionada com "orientação sexual" (e não identidade de género, mais uma vez a ignorância de quem se recusa a informa-se convenientemente e fala do que não conhece) neste crime. Claro que o facto de a vítima ter sido alvo de uma particular forma de tortura, a inserção de objectos no seu anús, é para ignorar. Helena Matos fala das "nossas culpas". Ainda bem que assume, pela primeira vez, a sua homofobia, que normalmente esconde sob uma capa de absoluta tolerância. Mas nunca nos enganou, e há muito que é uma das porta-vozes do preconceito encapotado. Assuma a sua má consciência quanto ao preconceito, mas não nos englobe, porque há quem faça de combatê-lo a sua vida.

É escandaloso que nem um partido ou responsável político - além do vago e cauteloso "choque" do ministro da Solidariedade e Segurança Social - se tenha pronunciado ainda sobre o caso , mesmo com o argumento que parece adivinhar-se (e já se ouve) de que não será evidente falar-se num "crime de ódio" quando os presumíveis - pelos vistos confessos - agressores são menores.

A questão, senhores, não está em criminalizar "crianças" de menor idade, como têm defendido comentadores e meios que por acaso costumam ser a voz da preconceito anti-lgbt nos nossos media. O estado que assuma as responsabilidades que nunca assumiu sobre as que são "crianças". Que puna judicialmente quem tem idade para ser responsabilizado criminalmente. Mas que não se confundam "crianças" com "jovens", e que, não esquecendo a idade dramática de parte do grupo, não se desculpabilize o crime e o preconceito em si. Porque os sentimentos que geram o ódio, esses são da responsabilidade dos adultos e de quem dirige o país.

Continuamos à espera de reacções e acções consequentes.

Não nos perguntaremos se as crianças são capazes de odiar. A sociedade portuguesa odeia, e é nela que as crianças crescem. Que não se esqueça que o ódio, especificamente a transfobia e o preconceito contra a população LGBT em geral são um problema social grave que perpassa todas as gerações e entre elas se reproduz. Que se reconheça que a questão só está e só pode estar nas medidas de combate e PREVENÇÃO das discriminações e desigualdades no seu conjunto, e, no caso da comunidade LGBT, no reconhecimento de direitos iguais e de legitimação social. Sim, desta vez, foram "jovens". Em todos os casos que têm consubstanciado um aumento das agressões transfóbicas e homofóbicas em Portugal nos últimos dois anos, não foram jovens os perpetradores, e a regra tem sido o silêncio e o esquecimento.

E da próxima? Esperaremos por um novo crime de ódio, cometido por adultos para tomar posição e agir? Para agravar (não em função da idade) os crimes e as discriminações por motivo da condição social, do estado de saúde ou da motivação transfóbica e homofóbica? Para implementar uma Educação Sexual nas escolas que combata os preconceitos? Para enfrentar de vez o inferno que é o sistema de protecção de menores? Para combater as exclusões com políticas de igualdade social? Se assim for, todas as lágrimas agora choradas são de crocodilo.

Continuamos à espera de reacções e medidas consequentes! E não admitiremos esse silêncio!


Trans no Parlamento

No segundo aniversário do assassinato de Gisberta, o Bloco de Esquerda promoveu uma audição na Assembleia da República sobre Transsexualidade. Presentes estiveram activistas das Panteras, Médicos Pela Escolha, Opus Gay e activistas trans independentes. O deputado Sosé Soeiro iniciou a reunião dando a palavra aos e às activistas trans presentes na sala e que referiram diversos casos de discriminação.
A dificuldade e morosidade para mudança de nome nos documentos de identificação e no registo, diagnósticos médicos demorados muito além do aceitável e a falta de uma lei que regule as questões de identidade de género foram, talvez, as questões principais referidas.
A intervenção das Panteras assim como a de uma activista trans francesa que comentou a situação dos trans em França e na Bélgica, despoletou a questão da patologização da transsexualidade e do diagnóstico psiquiátrico como elemento fundamental para as pessoas terem acesso ao processo de mudança de sexo. Debate acesso até pela presença de dois médicos da equipa do Hospital Santa Maria (nesta audição a convite da Opus) que defenderam a necessidade desse diagnóstico e a classificação de patologia para os e as trans. Por outro lado, algumas das activistas presentes, não aceitando a afirmação de que os trans são doentes mentais, reconhecem a necessidade deste diagnóstico médico até pela oportunidade de tratamento no serviço nacional de saúde que ele implica.

Como já sabemos, um debate urgente a ser travado e definidor para o futuro das pessoas transsexuais e trangéneros em Portugal. Para já, esta foi a primeira vez que trans entraram na Assembleia da República pela porta principal e de cara levantada. E não será a última!


Os media reforçam a transfobia

Após o recente assassinato de mais uma mulher transexual, a Luna, ocorrido na área de Lisboa, os media concentram-se no aspecto físico das vítimas da forma mais sensacionalista – tornando-o assim mais importante do que o assassinato em si. Seguem-se algumas palavras sobre o assassinato, como se isso uma fosse explicação evidente, natural, da causa de seu assassinato – demorando-se na descrição o mais pormenorizada possível do aspecto físico fora do vulgar da vítima. Nas mãos dos media o mais importantes o mais importante torna-se o físico invulgar da vítima, passando o assassinato para segundo plano.
Falando – dependendo da tentativa (ou não) de não parecerem transfóbicos – de transexual com o corpo de homem (para pudicamente dizer "com pénis"), de homem vestido com roupas de mulher, ou de travesti com seios. Alguns chegam mesmo a falar de homofobia.
A imagem emergente deste tipo de artigos faz da vítima uma monstruosidade apresentada para gáudio da curiosidade pública, sem qualquer respeito pelo seu género ou pela intimidade do seu corpo e dando a impressão de que é quase (ou mesmo absolutamente) normal que este tipo de pessoas sejam assassinadas.A outra imagem veiculada desta forma é a de que ser trans é querer enganar "o mundo" usando um disfarce particularmente bem arranjado que dá a aparência enganosa de homens e mulheres... e se enganam o mundo é evidentemente natural que as pessoas enganadas reajam.
Este tipo de discurso feito pelos media está, infelizmente, longe de ser o caso apenas no que respeita ao homicídio; é o caso de quase todas as emissões, artigos e entrevistas sobre o tema trans.
Os media portugueses, no seu conjunto, satisfazem-se na descrição da precariedade das vidas das pessoas trans – seja a prostituição, o uso de drogas, o estado de seropositividade, de se estar ou não legalizad@ como imigrante em Portugal, de se ter ou não uma Habitação – como se fosse uma escolha das vítimas viver assim, ocultando que a transfobia determina essa mesma precariedade, e apresentando como escandalosa não apenas a “escolha” de se ser trans, como a deste estilo de vida, apresentando as vítimas como pessoas imorais e chocantes, continuando desta outra forma a promover a transfobia, a precariedade das vidas trans e o facto de estas pessoas estarem entre as que mais provavelmente arriscam uma agressão.


Proposta de acção internacional: à escolha 24, 25 ou 26 de Março

Que se faça uma vigília, com velas, em especial memória de Luna e de tod@s @s trans vítimas da transfobia.
A iniciativa partirá de numerosos pequenos e grandes grupos no maior número de cidades possível.
Com cartazes, frente à embaixada ou consulado de Portugal nas cidades onde estes existam, ou em praças frente a ministérios europeus, frente a hospitais psquiátricos ou onde quer que a homofobia se construia.
Sugerimos estas frases:
Luna trans 42 anos brasileira, prostituta assassinada em Lisboa.
Estatisticamente quão maior é o risco de um(a) trans ser agredido comparativamente a ti? E assassinado?
Conforme o país, propomos a frase:
Stop às leis transfóbicas e para quando uma lei contra a transfobia?
Ou para os países que ainda não legislaram transfobia:
Para quando uma lei contra a transfobia?
Este caso não é específico a Portugal, é internacional e a luta deve ser feita em conjunto.
(A nível prático, organizar em pequenos grupos em lugares distintos será mais simples que pedir às pessoas que se mobilizem às embaixadas portuguesas que estão concentradas nas capitais)
Pedimos que difundam esta acção, que a façam participada e que nos façam chegar testemunhos, fotos, artigos, etc. a panteras.lisboa@gmail.com


2 anos após Gisberta, a transfobia volta a matar

Dois anos depois do brutal assassinato de Gisberta, no Porto, outra mulher transexual foi assassinada e o cadáver encontrado num contentor de entulho na zona de Lisboa, na passada semana.
Sucederam-se outros crimes que estão a chocar o país. Mas a onda de violência não pode esconder as vítimas nem a natureza dos crimes. Este é o caso de, Luna, de 42 anos, com surdez parcial, de origem brasileira, há muitos anos residente e trabalhadora em Portugal, prostituía-se no Conde Redondo.
Dois anos depois de Gisberta, os e as transsexuais continuam a ser alvo de violência e do ódio gerado pela incompreensão e o preconceito. Nada sabemos sobre o crime que a vitimou nem sobre as suas motivações. Esperamos que a investigação do caso pela PJ possa dar estas respostas, mas sabemos que a transfobia mata e que as pessoas trans estão muito mais sujeitas a violência do que as demais. Sabemos que a prostituição é muitas vezes um recurso de quem não tem outras formas de ganhar a vida e que é dramático ter um género diferente daquele que o corpo sugere. Sabemos também que o preconceito e a discriminação são generalizados, que a ignorância alimenta o ódio e gera a violência. Sabemos que o Estado, a sociedade, todos nós, temos responsabilidades para com as vítimas mortais e sobretudo para com todas as outras que levam uma vida em que luta pela sobrevivência coexiste com o medo e com os riscos que o originam.
Luna nasceu mulher; o seu corpo, masculino, estava errado para a sua identidade. Era acompanhada no Hospital de Santa Maria pela equipa multidisciplinar de alteração de corpo, tinha projectos, desejos e frustrações como todas as pessoas. Tinhas pessoas que lhe queriam bem e talvez quisesse voltar para o Brasil onde está a sua família. Luna foi uma mulher que lutou contra muitas dificuldades e, segundo os jornais, morreu vítima de grande violência, possivelmente alimentada por ódio, preconceito e ignorância. O seu corpo foi deixado num contentor de entulho, oculto por pedras e pó, como se fosse lixo, como se a sua vida não tivesse valido a pena.
Como todas as vítimas potenciais, os e as trans precisam de formas de protecção que lhes garantam igualdade de oportunidades e a possibilidade de uma vida digna. Precisam, como qualquer pessoa, de poder exercer o seu direito ao desenvolvimento da personalidade e à autodeterminação – de poder escolher livremente o seu próprio nome; não precisam (ninguém precisa!) de documentos de identificação que insistam em usar um critério tão vazio de conteúdo real como “sexo” (mesmo se disfarçado de “nome”) e que “justifiquem”, por exemplo, a colocação de uma trans numa cela com homens. Os e as trans precisam de ser vistos como pessoas com direitos e obrigações, nem menos nem mais que todas as outras. Os e as trans em Portugal precisam da pedagogia da visibilidade, muito para além dos circuitos da prostituição ou do espectáculo nocturno. E Portugal precisa de ver estas pessoas sem o olhar do preconceito e do medo.
A identidade de género é um assunto que o Estado tarda a legislar e esse atraso agrava as condições de vida e sobrevivência de muitos trans. Para quando as correcções legais que possibilitem o real exercício da cidadania pelas pessoas transsexuais e transgéneros? Para quando legislação que ultrapasse a retrogradação e o conservantismo de tantas e tantos políticos e deixe de impor restrições mesquinhas? Para quando legislação que deixe de alimentar a violência psicológica quotidiana sobre estas pessoas? Para quando legislação que considere explicitamente como agravante a discriminação, o assédio e a violência com base na transfobia? Para quando um compromisso a sério para acabar com casos como o da Gisberta ou de Luna, pessoas assassinadas pelo ódio transfóbico? Para quando mais meios humanos e melhor formação cívica e técnica nas forças policiais? Para quando abordagens de cooperação em vez das abordagens agressivas que ainda subsistem nalguns elementos das várias polícias?
As Panteras Rosa – Frente de combate à GayLesBiTransfobia, reafirmam o seu compromisso com a luta contra a transfobia em todas as suas formas e rendem homenagem a Luna, prostituta na nossa cidade, mulher porque sim!
Lisboa, 13 de Março 2008


Puzzle

Se "o poder é uma relação, não uma coisa", porque insistimos em falar de sexo como uma coisa?
Que eu saiba, a tradição assume que os generos entre os animais estão marcados em termos biológicos, e que ainda assim, apesar de morfologicamente, hormonalmente marcados, estão sujeitos à evolução e adaptação ambiental. Que sempre são relações de poder, de estratégia individual. Sexo não é nenhum modelo de previsibilidade, ainda que apresente constâncias.
Entre as gentes, o que a gente conhece é uma luta pelas constâncias.
Há, aparentemente, uma constancia na ideia de sexo, que é a de especialização. Que num dado momento, a lógica de consumo se acrescente com a lógica da produção; isso acontece em todos os seres que não se dividem, e no caso interessam-nos os que não são hermafroditas, que estão especializados de vez, machos e fêmeas "como" os humanos. Nestes casos, as fêmeas alternam ciclos de consumo e produção, porque todos estes seres passam pela infância.
Dizem os doutores que a cultura começou com o tabú do sexo de forma a criar as condições para a monogamia, ie: a regulação comunal, consensual, de quem faz aquilo que faz filhos com quem (faz filhos). E aquilo que faz filhos, aquilo que produz(!), essa parcela problemática de minutos (bem, já estão a ver onde eu quero chegar), passou a definir o lugar das pessoas no grupo. Não às recompensas hormonais, sim ao lugar certo, aquele que representa a minha função na sociedade.
Consenso, constância, são elementos essenciais da solidariedade. O movimento LGBT busca acima de tudo a solidariedade, a reposição da condição de pessoa; e aprende-se nele ao longo do tempo onde está o pomo da discordia. Um deles é o amor, esse subproduto moderno da quebra de relações familiares extensas, cujo reconhecimento( !) implica que a solidariedade entre os dois generos se expresse ao nível das afinidades pessoais, tarefa tão valorizada quanto a assimetria comportamental dos generos é regra. O outro, a procriação, cujo pensamento actual ainda tende a evitar as estratégias que não representem o reforço(!) do peso natural de acompanhar uma infância (...);
@ bissexual parece ter a "tarefa" facilitada mas não tem. Onde a despatologizaçã o da homossexualidade está mais concretizada, a solidariedade intra-genero reforça-se agradavelmente, mas há dados momentos em que a solidariedade entre os generos não podia estar mais perdida. Onde há patologização da homosexualidade, a solidariedade entre os generos decorre no ocultamento e nos mecanismos tradicionais, ou seja, através da relação erótica "a contrato" e suas fraudes (já dizia o outro, muçulmano, poligamia al capone, a poligamia ocidental, reconhecendo as semelhanças e as diferenças).
@ bi vive zonas cinzentas onde a deserotização de um dos generos joga frequentemente contra a sua presença a outros níveis propriamente sociais, e neste sentido, pensar bi é ter consciencia do cruzamento erostismo-poder- grupo, um pensar ao alcance de tod@s. É Bi-narismo, mas...


rosa-que-fuma


Não é bem assim...

Se eu fundar uma comuna, ou um apartamento com amigos para poupar dinheiro, nao vou ter os mesmos incentivos fiscais e "apoios á família" do que um casal "casado" ou em uniao de facto.
Porque é que eu, como figura fiscal/legal "mulher solteira" tenho de estar mais fragilisada perante a sociedade do alguém que esteja casado com aquela teia de protecção legal toda á volta deles?
é realmente minha escolha ser solteira ou permanecer solteira (são na verdade duas coisas diferentes), mas perturba-me o assegurar de privilégios, que estão a ser confundidos com direitos, que outros tenham, sejam heteros ou não.
Mais ainda perturba-me que o Estado reconheça apenas essa forma de emocionalidade como válida. Porque é que eu não posso passar procurações médicas a amigos escolhidos a dedo (ou seja, se eu ficar em coma, porque é que são os meus pais a decidir "desligar a maquina" em vez de ser quem eu quero)? porque é que as minhas disposições testamenteiras são passadas a ferro no caso de eu ser solteira (se eu morrer os meus pais herdam sempre uma parte independentemente do que está no meu testamento), e um bocadinho mais levadas a sério se eu estiver casada?
Porque é que uma criança só pode ser adoptada por um casal? o que é que ha de menos respeitável/ético em pessoas não casadas?
Perturba me ainda mais que não perturbe mais gente ainda, que o Estado esteja a dizer com isto, com a figura do casamento, que todas as outras formas de estar são toleradas, mas não são a certa. e isso incluindo ser solteiro, viuvo, já nem falo de comunas, engenharia social ou famílias estendidas, com relações não monogamicas ou não...

Reconheço sem duvida o impulso que leva pares que se gostam a casar. E enquanto a lei for assim, ficarei contente por eles e irei festejar com eles em toda a sinceridade. Ficarei, quase em contradição comigo, contente quando os primeiros casais do mesmo género se casarem em Portugal, porque indicará um avanço das mentalidades, e porque esses nubentes estarão mais feliz nesse dia do que noutros.
O casamento é um atentado ás liberdades individuais porque nos diz que um individuo só, um cidadão, não é suficiente como entidade e que precisa de se comportar de uma certa maneira para ser completo e útil á sociedade.
Sendo assim sou e serei politicamente sempre e constantemente contra a figura do casamento, por não ter cabidela numa sociedade que se quer igualitária e democrática.
Obrigada por lerem.

Antidote,
www.laundrylst.blogspot

Não têm clubes de Cruising

Não têm clubes de cruising, saunas, drag kings, travecas de rua ou carrossel. No que toca ao consumo pornográfico, surgem na categoria hetero, no gaydar são 50 nos dias (muito) bons, e têm direito a menos consumos gratuitos. São os parentes pobres dos gays na sociedade de consumo.

Haverá muitas razões para isso, a primeira de todas o facto de ganharem até menos 20% que os homens, ainda independentemente da orientação sexual.

Pergunta-se até à nausea se as lesbicas são feministas, com o mesmo ar motivador de quem pergunta "gostas mais da mamã ou do papá?", de quem quer obrigar a representar. Eu explico: são as condições materiais de existencia, a satisfação/reconhecim ento de necessidades que definem o poder. Actualmente, já só é possível ser feminista ou dogmático da inferioridade da mulher, cumprir a constituição ou alterá-la segundo o dogma (ou ficar quietinho à espera que ELAS, as mulheres façam uma das duas, e não se comprometer a uma queda auto inflingida).

Assim como nos anos vinte se chamava sangue ou raça à cultura, discutindo-se se a judeídade passava pela mãe ou pelo pai, pela educação ou pela herança, hoje em dia levamos com a urgencia da espécie, sempre em estado de sobrevivencia, com a sobrepopulação, seu contrário que dá no mesmo, com o colapso da segurança social ou renovação de gerações, com a natalidade como fenómeno estatístico, popula-ção, popula-ção de um território, não como fenomeno pessoal. Perguntar se mulheres e reprodução são uma combinação eterna é chamar sangue à cultura. As mulheres geram, não reproduzem, e sim, faz parte do bolo das necessidades ignoradas como intrínsecas a este ser enrolado num falso neutro. Pode é não gerar. Pode nem sequer educar ninguém, ser misantropa e até ermita. Isso não tem nada a ver com passar a ferro a roupa dos carecas enquanto criança. Não tem nada a ver com a actual performatividade da diferença, voluntária ou inevitável.

Eco-nomia traduz-se como "gestão do lar", e as rAlações da política sexual só passaram a criar sentido quando as relações de produção passaram do lar para a industria, quando o investimento do poder na segunda afrouxou o controlo no primeiro, deixando um vazio entre ambas. Ficaram lá os costumes como "regra até prova em contrário", tanto os costumes da legitimação, como os de ilegitimidade (vossa senhora, até a gramática!); a figura económica da mulher ainda anda aí enredada, e não raro disputada. L e G são a mesma coisa em LGBT? São mesmo lidos em termos de homosexualidade ou esta ultima é um eufemismo, um máximo denominador comum? Senhores, os vossos textos lesbicos, já de seguida.

Rosa que Fuma.


Casamento

O casamento de pessoas do mesmo sexo enquanto pequenino passo pelo fim
da ditadura do binarismo de género


No comunicado de imprensa pantérico sobre os projectos de lei de
alargamento do casamento civil a duos do mesmo sexo pode ler-se «o
Parlamento tem agora uma oportunidade para legislar no sentido da
efectiva laicização do Estado e do combate à discriminação em função
do sexo atribuído à nascença ou do sexo das pessoas que amam.»

O «sexo atribuído à nascença» parece ter confundido algumas pessoas,
pelo que tentei explicar o sentido de tal redacção.

X não poder casar com Y por causa do sexo não é um problema só do sexo
que atribuíram a Y. Isto é, o problema não é "só" X amar alguém do
sexo tal. É-o igualmente ter sido atribuído a X o sexo tal (e ninguém
perguntou nada a X antes de declarar que teria esse sexo). Ambas as
coisas são a mesma trampa (e ao mesmo tempo são diferentes). Ambas
impedem X de casar com Y e ambas são originadas pela mesma concepção
da organização social e pela mesma visão do mundo (social e "natural")
e, ao mesmo tempo, ambas são distintas e ocorrem em "momentos da vida
legal" (à falta de melhor expressão) específicos.

Por outro lado o sentido do «sexo atribuído à nascença» não se esgota
no caso das identidades transexuais nem há no texto (parece-me) nada
que o indique.

Nem sequer se esgota no leque nas identidades trans não transexuais
(aquelas que são "ainda mais" desviantes do sacrossanto binarismo de
género que tentam impingir-nos todos os dias).

Em função do sexo que @ sotôr(a) te atribui à nascença assim podes ou
tens de fazer certas coisas (ou não).

Um exemplo:
A X é atribuído o sexo masculino. Só por isso X será alvo de
determinadas acções (em casa, na escola, na rua, na tv) no sentido de
o/a formatarem para ser um "menino". Também só por isso X ficará numa
listinha para ser chamado ir à tropa em caso de guerra. No caso de X
ter nascido com genitália "ambígua" provavelmente os paizinhos vão
ficar desorientados e o talhante de serviço no hospital vai impor uma
cirurgia "correctiva" (sem que X tenha sequer oportunidade de saber o
que vai ser quando crescer, quanto mais de emitir opiniões sobre a
"correcção").

Ao legislar (ainda que pontual e debilmente) no sentido de sermos
tod@s "malta" aos olhos da lei – como no caso de o casamento deixar de
ser entre senhor e uma senhora [1] para passar a ser entre quaisquer
duas pessoas – dá-se um pequenino passo no sentido de mandar às
urtigas a importância (para a lei) de X ser do sexo A, B ou C (sim, eu
sei que não há nenhum C na lei).

Ou ainda de outro ângulo:

A e B não podem casar porque são dois homens do sexo masculino. É a
homofobia nas leis.

X e Y não podem casar porque são duas mulheres do sexo masculino.
Mesmo que pudessem mudar de sexo continuariam a não poder casar. É a
homofobia nas leis.

M e N não podem casar porque M é um homem do sexo masculino e N é uma
mulher do sexo masculino (o sexo aqui é aquela reles categoria
burocrática sem grande sentido mas com grandes consequências) . É a
homofobia *e* a transfobia nas leis. Se N pudesse mudar de sexo (coisa
tramada nos tribunais tugas) estava o assunto desse casamento
resolvido.

Mas nas raízes da homo e da transfobia destes 3 casos há uma que é
comum: ambas as fobias são construídas a partir de uma ideologia que
determina que há dois (e só dois) sexos, que as esses dois sexos só
podem corresponder dois papéis sociais (um para cada sexo) e que esses
papéis são "naturalmente" complementares (o guerreiro e a fada-do-lar,
o caçador e a recolectora, o dominante e a dominada, o assalariado e a
doméstica... – sim, podem existir excepções, mas o sistema dominante é
patriarcal).
Alargar o casamento a duos do mesmo sexo é uma martelada na
"naturalidade" da complementaridade dos géneros. Ainda não põe em
xeque a ideia de que os géneros estão "naturalmente" associados ao
sexo nem a ideia de que só há dois (que sejam lícitos/correctos/
saudáveis) . Mas já abre uma rachazita nese castelo ideológico que nos
lixa a vida e nos mói a cabeça todos os dias.

Não gosto destes mini-ataques às mijinhas. Mas vejo uma ligação (ainda
que não de causa/efeito) entre o gesto de alargar o casamento a duos
do mesmo sexo (sou pela abolição do casamento civil, já agora) e o
combate a um sistema de ideias que também alimenta as transfobias [2]
ao criar determinadas categorias e hierarquias entre essas categorias.

1) senhora e senhores "normais", claro – creio que quando o Américo
Thomaz promulgou o Código Civil em 1966 ninguém pensou n@s senhoras/es
transexuais, intersexuais ou "genderqueer" de alguma forma

2) e a coisa não se esgota na transfobia de "normais" contra trans –
também existe, por exemplo, da parte de algumas pessoas já submetidas
às cirurgias de construção genital contra as pessoa transexuais
não-operad@s (o que, creio, felizmente não é a regra)

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Pela abolição do casamento civil


Na recente novela do casamento vimos de tudo. Até vimos paladin@s do
conservadorismo populista a defender o casamento entre pessoas do
mesmo sexo – desde que tenha um nome diferente de "casamento".

Do PS nem vale a pena falar. A série de idiotices do
concordo-mas-vou-proibir fala por si. A disciplina de voto só para
alguns é absurda. As desculpas esfarrapadas sobre o "oportunismo" de
pequenos partidos (os projectos de lei foram entregues no Parlamento
há dois anos!) não conseguiram esconder que foi tudo meducho de perder
os votos de gentinha torpe para o PSD nas três eleições de 2009.

O PEV acha inconstitucional não estender o casamento a duos do mesmo
sexo – mas no mesmo projecto de lei queria proibir a possibilidade de
duas pessoas do mesmo sexo adoptarem em conjunto. Aquilo que hoje é
uma possibilidade só de casad@s passaria a ser uma possibilidade só
para *algumas/uns* casad@s. Enfim, combater uma expressão de homofobia
legitimando outra parece-me incoerente.

No discurso de encerramento das jornadas contra a homofobia, na
FCSH-UNL, o Francisco Louçã arengou contra a discriminação e acabou
por se contradizer ao prometer lutar pelo alargamento do casamento a
duos do mesmo sexo. Trata-se também de uma medida ainda
discriminatória por reiterar e continuar a legitimar o princípio
ideológico de que "2 é melhor que 3, ou 4, ou...".

Não compete ao Estado propor pacotes de regras pré-definidos
moralizantes. Quero poder escolher livremente as regras por que se
regem as minhas relações. Quero poder decidir que X me visita no
hospital, Y na prisão, que Z herda a casa e que toda a gente fode com
quem quiser sem ter indemnizar @s outr@s por "delito de adultério".

Querem mesmo lutar contra a discriminação?
Lutem pela abolição do casamento civil! Lutem pela liberdade de poder
decidir quem herda a minha tralha, pela liberdade de deserdar @s
ascendentes e irmã(o)s. Lutem pela liberdade de foder (ou não foder)
com quem quiser. Lutem pela liberdade de poder escolher quem me visita
no hospital e na prisão. Lutem pela liberdade de poder escolher a quem
concedo poderes de representação/ procuração para "desligar a
máquina". Lutem pelo fim da discriminação no imposto de selo sobre
doações. Lutem por todas essa discriminações que decorrem da ideologia
fundamental do casamento (monossexual, monogâmico, procriador,
pretensamente superior, pretensamente biológico, pretensamente
fundamental para a vida em sociedade).

Garantir alguns direitos (como alguns direitos relacionados com a
transmissão de bens ou a justificação de faltas para cuidar da
família, por exemplo) apenas sob condição de se viver assim ou assado
é execrável. Como o é sempre qualquer discriminação (negativa) de
estado.

Atacar o casamento civil é «atacar a sociedade»? Porreiro, pá! Porque
não é esta sociedade que quero. E vós?


Lésbicas inevitavelmente

- Lésbicas: inevitavelmente feministas?
Não necessariamente. Numa determinada geração, quase que sim. Na actual geração, quase que não.
- L World, realidade ou estereotipo?
Esteriótipo superficial oco e de mau gosto. Caricatural.
- Comunidade e vivências economicamente determinadas ou transversais e heterogéneas?
Transversalíssimas. Heterogéneas, heterodoxas, heteroversas.
- "camiona" ou "feminina"?
«Camionista», homem, camionista! Mas como chamariam às que povoam os calendários das oficinas de mecânica penduradas numa cabina TIR?
- L é a parte de um movimento social ou o ponto onde feminismo e LGBT se encontram?
L é parte da humanidade. Onde tudo se encontra, incluindo a maternidade, a audácia, o livre pensamento, a liberdade e a dignidade humana e a honra de se ser o que se é.
- Mulheres na política como Ferreira Leite são uma contradição ou a prova de que também elas são capazes de serem tão conservadoras como os homens?
A prova de que a sociedade ainda admite que uma capa de conservadorismo bacoco esconda o esclavagismo e a intolerância.
- O binarismo de género constrói social e ideologicamente "homens" e "mulheres". Um futuro sem binarismo é uma sociedade sem "homens" e sem "mulheres"?
É uma sociedade de gente mais autêntica, de Pessoas. Incluindo os homens e mulheres bi e trans. Entendido?
- Mulheres e reprodução da espécie serão uma combinação eterna?
Esperemos que não. Mas se assim for, é melhor que não esperem pelo meu contributo...és pessoa para fazer alguma coisa disto.

Joana









Será que gostar de favas também é uma fase?

A bissexualidade acarreta estigmas sociais vários. Tende a ser incompreendida e por vezes hostilizada. Alguns estereótipos incluem: praticar sexo com pessoas de vários géneros ao mesmo tempo, inconstância, infidelidade, incapacidade de compromisso. Estes estereótipos influem bastante nos relacionamentos íntimos e sociais das pessoas, uma vez que várias pessoas (baseadas nestas ideias pré - concebidas) tendem a afastar-se de quem é bissexual. O que, obviamente, interfere e muito na capacidade de relacionamento.
Por outro lado, interfere na dicotomia socialmente aceite, de que ou se gosta de um género ou de outro. Esta dicotomia é persistente e transversal e é a mesma que leva á discriminação da transexualidade, intersexualidade e outras. Tende-se a pensar em planos duais opostos e mutuamente exclusivos, negando uma realidade muito mais diversificada. O próprio termo bissexual pode ser limitativo, ao ter implícito que só existem dois géneros passíveis de se gostar. Existirão muitas pessoas que gostam de pessoas que não encaixam na ideia de homem ou mulher. Decidiu-se atribuir o termo pansexualidade ás pessoas que gostam de pessoas de vários géneros.
Os direitos Bi, ou Pan, cruzam-se com os LGT, mas assumem uma especificidade muito própria. Uma pessoa bissexual pode estar casada com alguém de género diferente, mas não pode estar casada com alguém do mesmo género ou de ainda outro género. Desta forma a pessoa Bi lutará pelo casamento entre pessoas do mesmo género, mas a sua própria natureza estabelece diferenças da luta LG. Esta luta, por ser semelhante, pode ser vista como a mesma. No entanto, não é a mesma. Podendo por isso ser relegada para um plano de quase não existência. Legalmente a luta Bi ou Pan será quase igual á luta LG. Socialmente, a luta é bem diferente e essa diferença salutar deve existir e ser reivindicada.
Dentro das ideias pré- concebidas somos confrontad@s com discriminações muito próprias. Desde a acusação de incapacidade de decisão, mas porque raio tenho eu que decidir? Só para deixar as outras pessoas mais confortáveis? E já me decidi! Gosto de pessoas! É uma decisão tão válida como outra qualquer. Existe ainda a ideia da fase. Pessoalmente, descobri ser bissexual aos 14 anos. Aos 14 anos não gostava de favas, mais recentemente passei a gostar, será que devo deixar de gostar de ervilhas por ser só uma fase? Como pode alguém assumir que sabe melhor do que eu, aquilo de que eu gosto?


Divagações Casamenteiras

Desde Julho que começaram a aparecer vários textos de opinião sobre o casamento LGBT, em alguns jornais. Aparentemente a Marcha poderá ter levado mais gente a opinar sobre a questão. O casamento religioso está fora desta questão. A religião é algo pessoal e cada uma delas tem as suas normas. Quanto ao casamento civil a história é outra. É papel do estado não discriminar as pessoas que constituem a sociedade. Neste campo existe uma falha política, pois o casamento é uma instituição à qual só podem aceder duas pessoas de géneros diferentes, gerando aqui uma óbvia discriminação. Porque duas pessoas do mesmo género não podem casar? Os argumentos têm sido vários: não é natural; não é que está na bíblia; o casamento visa a reprodução. Continua-se a querer impingir uma religião a toda a gente, independentemente da vontade de cada um@. Assume-se que os humanos são seres vivos únicos que não se dão a relações homossexuais, basta ver cães e cadelas na rua em relações sexuais não hetero. Nem é necessário ver os muitos trabalhos de biologia, que existem, sobre a complexidade e diversidade sexual. A reprodução então é o argumento mais batido e contrariado, existem n casais que não podem, não querem ter filhos e ninguém lhes nega o direito de estarem casados.
Somos frequentemente bombardead@s com a ideia de que o casamento é uma união entre pessoas que se amam. Mas será verdade? Aparentemente para quem nos governa, não existe maior mentira. De facto é possível as pessoas amarem-se mas apenas para algumas é legitimo assumirem essa situação.
Mas não é apenas de amor que aqui se fala. O casamento fornece garantias legais às pessoas que nele entram. Garantias de herança, assistência jurídica (caso o mesmo falhe), conservação e divisão de propriedades, benesses fiscais, apoio em instituições estatais (hospitais, prisões, etc).. Coisas que a todas as outras pessoas estão vedadas. Quem não quiser viver numa monogamia heterossexual, não pode usufruir destas benesses. Esta situação altamente discriminatória é mantida à séculos para descontentamento de muitas pessoas. Porque raio uma pessoa solteira, tem que pagar mais de impostos? Não contribui para a sociedade com o seu trabalho? A procriação é algo tão desagradável que precise de ser incentivado com dinheiro? Se a heterossexualidade deixar de ser apoiada estatalmente vai desaparecer? É compreensível que seja necessário incentivar alguém a fazer algo que gosta pouco, mas tirando isso o facto de exercer uma qualquer actividade pode ser satisfatório por si próprio. Ou será necessário incentivar as pessoas a terem sexo (caso gostem e procurem fazer)? A praticar desporto quando gostam de o fazer? A continuar a praticar um hobbie que lhes agrada? Não me parece.
E já que estamos a falar do assunto, será a poligamia algo tão hediondo, horrível e prejudicial, que seja necessário uma proibição expressa no nosso código penal? Se o casamento é uma manifestação social afirmativa de amor entre pessoas, não deve ser nem incentivado, nem penalizado. As pessoas com capacidade de consentir são livres de expressar o seu amor e devem ser deixadas em paz, quer o façam, quer não


De que falamos quando falamos sobre ou somos lésbicas...

Lésbicas, lésbicas.. O pressuposto de qualquer boa e frutuosa discussão é
que os presentes concordem com o tema, com a tese da discussão, e com as
definições. Mas lésbica é daquelas palavras que tem tantos significados,
alguns dos quais em contradição concreta ou teórica, que ficamos todos com
dores de cabeça, antes sequer de concordar acerca do seu significado. Ora
vejamos... Alem do óbvio lésbicas como nativas de Lesbos ou frases poéticas
com n-silabas, lésbicas podem ser mulheres que se sentem atraídas por
outras, ou mulheres, biológicas ou não, que concretizam essa atracção.
Encontramos a velha disputa se a praxis é que define um sujeito ou nao, ou
se a identificação com um conceito ou uma possibilidade. Podem
inclusivamente ser mulheres que nem têem atracção nem tencionam vir a ter,
mas defendem que essa atracção é legitima e merecedora de respeito. Lésbicas
são também, segundo alguns, personagens que aparecem em filmes pornográficos
mainstream heterossexuais para titilação do espectador.

São lésbicas as ultra femininas e bem comportadas meninas da L-word para
consumo familiar? São lésbicas as mulheres que negam a estética feminina
como ferramenta de opressão patriarcal, e (para alguns, horror, pranto e
ranger de dentes), recusam a depilação, as saias e as pinturas ? Continuam a
ser lésbicas as mulheres que dormem com homens? Esporadicamente? E
regularmente? E as lésbicas assexuais? É lésbica a mae de familia que um
dia decide que se calhar "é por ali" a sua felicidade?

Na minha opinião de pessoa pouco letrada em linguística e filologia é,
todas são lésbicas, sim. Ser lésbica é uma identificação com um conceito,
que não é só sexual, mas sim emocional, social e até mesmo político. Nem
sempre tudo ao mesmo tempo, e nem sempre para toda a gente. Mas por favor,
especifiquem que definição de lésbica está a ser usada em qual contexto....

Muitos mal entendidos acontecem em discussões, muitas vezes de consequências
tantalisantes e graves, é que as definições não são clarificadas. Usa-se em
discussões políticas definições que dizem respeito à vida pessoal e
vice-versa. Desconfirmam- se pessoas não pelas suas ideias mas pela sua
praxis pessoal, etc.

As lésbicas sempre estiveram na moda, no sentido que sempre, em qualquer das
definições, sempre despertaram escândalo, tolerância, desejo, empatia.
medo, ou interrogações, ou tudo isto em simultâneo. Simplesmente agora, nos
nossos dias, por um lado o acesso á informação e mesmo à discussão política
foi democratizada pela internet, e por outro, actuais discussões políticas
(Quer acerca de direitos lgbt quer através de temas feministas ou a muito
premente discussão sobre o alargamento do casamento) trouxeram a palavra
para a ribalta, mesmo em meios em que á partida a palavra dificilmente
entrava, "do Minho a Timor". Ha adultos que aprenderam apenas recentemente
a palavra "lésbica".

Sendo assim, há apenas que retirar desta pequena escrita, não apenas a
variedade filológica por detrás da palavra, mas também a implícita variedade
humana debaixo do guarda chuva lésbico. Há lésbicas feministas, anti
feministas, de esquerda, de direita, cooperantes, irreverentes, mainstream,
camionistas, separatistas, integrantes, transgénero, hipersexuais,
assexuais, pilosas, depiladas, políticas, apoliticas, armariadas, assumidas,
orgulhosas, descaradas, monogâmicas, promiscuas, covardes, corajosas,
femininas, masculinas.. .

O que sempre vai haver é a tentativa de pigeonholing, de nos meterem numa
linda gavetinha com uma etiqueta cá fora com a esperança de que nos
comportemos de acordo com a dita. "As lésbicas são assim ou assado". Mas
como podem ver, tal "gavetisacao" está destinada ao fracasso.

Antidote


De 69 a 2008

Foi em 28 de Junho de 1969, que um raide policial ao bar “Stonewall Inn” deu um resultado inesperado. Ao contrário do habitual, as pessoas não foram ordeiramente para a esquadra, revoltaram-se e durante cinco dias envolveram-se em confrontos com a policia. Não foi a primeira vez que sucedeu. Já em 1966, outra acção das forças policiais resultou em distúrbios, foi na “Compton’s Cafeteria”, um dos pouco locais de São Francisco onde as pessoas Transgéneros se podiam reunir. Enquanto em Stonewall a policia emtrou no bar por este vender álcool sem licença, ser uma local de prostituição e por estar associado ao crime organizado; na Compton’s a justificação oficial, sempre foi o facto de existirem pessoas travestidas lá dentro. Antes de qualquer um destes eventos já existiam algumas associações que se dedicavam à causa LGBT, no entanto estes acontecimentos deram uma maior força à nossa luta. Foi em 1970 que se realizou o primeiro gay pride. Desde aí pelo menos mais 3 letras se juntaram à causa.
Muito mudou desde então, muitas batalhas foram ganhas, são cada vez mais as orientações sexuais que defendem e lutam pelos seus direitos. Antes de podermos adoptar (num futuro próximo esperemos) foi necessário deixar-mos de ser criminos@s e doentes mentais.
Pelo meio deu-se um nome a um estilo de vida diferente, passou-se a usar o termo Queer, como oposto a heteronormatividade. Falo na heteronormatividade e não na heterossexualidade, porque existem muitas práticas pouco normativas praticadas por pessoas hetero. Este ano tentou-se incluir o poliamor como mais uma causa que se junta oficialmente à marcha. As reacções não têm sido das melhores. Aparentemente não é por ser mais uma letra, mas sim por ser uma prática que não agrada a toda a gente. Ninguém é transversalmente LGBT, será um factor para voltarmos a ser só Gpride? Outra oposição foi o poliamor ser uma prática controversa e passível de ser considerada pela população heteronormativa, como altamente negativa. Pressuponho que o “Stonewall Inn” era um poço de virtudes e pureza normativa... Muito mudou desde aquela noite de 1969, em que as pessoas simplesmente não queriam ser presas, mas convém reflectir que caminho queremos tomar. Lá porque ganhámos umas migalhas, vamos desistir de atacar os pratos em cima da mesa? Manternos-e-mos exclusivistas? Ou alargaremos a nossa luta, reconhecendo que existem mais sexualidades disscriminadas?


Bi ou não bi, eis uma pergunta!

Que é ser Bissexual? O que envolve? Como as pessoas se caracterizam? Será ter sexo, atração com pessoas de sexos diferentes? Claramente NIM! Existem pessoas que se assumem/ identificam com a bissexualidade. Não há outra forma de o dizer, em alguns estudos representam 5% da população, noutros menos. Estas pessoas assumem uma identidade sexual que pode interpenetrar a vivência hetero e a homossexual. Podendo alterar entre os dois mundos, ou podendo viver de uma forma única, como bi/pansexuais. Mas existe muita gente (segundo o estudo Kinsey, 37 % da população) que se envolve em comportamentos bissexuais.
Porque existe esta diferença tão grande de dados? As pessoas tendem a ser mais complicadas naquilo que pensam, do que naquilo que fazem. Por exemplo: pregar um prego (comportamento); pregar para pendurar um quadro, pregar para prender dois objectos, pregar por acto religioso (entenda-se a crucificação), pregar para chatear a vizinhança (o mesmo acto, vários significados e motivações possíveis). Por vezes é mais fácil racionalizar o que aconteceu. Foi só uma noite; foi só para experimentar; tinha curiosidade; éramos nov@s; o meu grupo não aceitaria tal coisa; a minha religião não permite; e um enorme etc.
Os animais tendem a ser mais simples para os nossos olhos. Apesar de ser uma coisa recente o facto de termos começado a olhar para lá. Como dizia Alberto Caeiro, “ver é estar doente dos olhos”. Cerca de 2000 espécies já foram observadas, filmadas, documentadas, estudadas a terem sexo com membros de ambos os sexos. Não é só o número de espécies, parece ser comum dentro das tais 2000, apesar de algumas variações entre elas.
Daí ser bi ser uma pergunta com uma resposta tão equívoca.


Precariedade, controlo social e transversalidade das lutas

Que a precariedade congela vidas não é segredo. Que os recibos verdes e a figura do "acto isolado" são usados indevidamente por certos "patrões" também não. E é do conhecimento geral que o outsourcing é usado, mais do para contratar serviços especializados, para fugir a maçadas como os seguros de trabalho, as contribuições para a segurança social, a medicina no trabalho, a gestão de férias...
Mas os vínculos laborais precários têm outra dimensão: podem ser instrumentos de controlo social.

Nas (raras) empresas de tendência quem acorda trabalhar na empresa sabe que irá trabalhar dentro de um conjunto de princípios orientadores já definidos. São disso exemplo a Rádio Renascença ou certas escolas religiosas. Contudo a maioria das empresas é criada tendo (oficialmente) apenas o lucro como único objectivo. Mas entre o "oficial" e o real por vezes vai uma grande distância. Empresas há que implementam políticas ilegais (lembram-se daquele banco do Jardim Gonçalves que não contratava mulheres?) e acontece por vezes que, mesmo que a direcção da empresa não o faça, essas políticas são decididas e implementadas por chefes de departamentos ou secções da empresa. Independentemente do nível hierárquico de onde emanam tais políticas é evidente que os vínculos precários fragilizam @s trabalhadoras/es que delas sejam alvo.

Concretizando num exemplo: a empresa ABC contrata a Rute (a termo, claro) para trabalhar no call‑center da empresa XPTO; a Rute trabalha sob a direcção do Zé; o Zé embirra com a Rute e quando o contrato chega ao fim já o Zé preparou um bonito relatório com motivos para que o contrato da Rute não seja renovado (fazendo com que as falhas da Rute pareçam mais ou piores que as de colegas que não produzem tanto nem tão bem). Na verdade o Zé resolveu usar o seu poder para a "castigar" porque a Rute tem uma argola no nariz, ou porque usa rastas, ou porque é fufa, ou monhé, ou vesga, ou... O importante é que quem contratou a Rute até poderia estar a pensar usar (indevidamente) os contratos a termo durante um período experimental alargado oferecendo‑lhe um vínculo sem termo ao fim de 2 anos – mas o vínculo precário da Rute permitiu que o Zé, motivado pelos seus preconceitos, lhe "fizesse a cama".

No exemplo acima a iniciativa parte de um funcionário, chefe da trabalhadora. Mas como se percebe a coisa pode assumir proporções de política (ilegal) da empresa e a precariedade do vínculo permite fazer imposições injustificáveis à(o)s trabalhadoras/es. Quem não calar e consentir, quem não se "adaptar" vai para a rua, é só esperar que o contrato chegue ao seu termo.

Os vínculos laborais precários podem ser (e por vezes são‑no mesmo) meios para a marginalização de pessoas contra quem os preconceitos sejam mais arreigados – por exemplo, pessoas transexuais (e outras "ameaças" ao modelo dicotómico de género do sistema sócio‑legal dominante) ou pessoas de etnia cigana (que, não representando qualquer "ameaça" concreta, inspiram um temor irracional a muita gente).

O preconceito alimenta‑se da ignorância. Contudo, enquanto o discurso politicamente correcto enche a boca com a “sociedade da informação”, pouco se faz para alterar o rumo da aparente "conspiração de estúpidos". A terciarização da economia é ilogicamente acompanhada por reformas do ensino técnico‑profissional que não respondem às necessidades da sociedade (não confundir com as necessidades do mercado!), pela desarticulação entre ensino secundário e universitário e pela diminuição do investimento nas áreas que menos interessam às empresas dominantes – como as ciências soft, apesar da sua importância para o estudo e aperfeiçoamento da organização social e económica e para o aproveitamento sustentado e sustentável dos recursos naturais e humanos. Nem as matemáticas se salvam – quando numa economia terciarizada o lógico seria ver empresas de transportes, por exemplo, organizando e financiando pólos de I&D sectoriais, investindo na investigação operacional ou na contratação de matemátic@s para "análise de pior caso".

A miopia e impunidade de quem legisla/governa/julga, o uso do aparelho de estado para servir interesses económicos privados, o insuficiente número de agentes de fiscalização e a sua deficiente (nalgumas áreas) formação, a dificuldade de prova, as (consequentemente) raras penalizações perfeitamente suportáveis pelos grandes grupos empresariais, a corrosão da solidariedade entre trabalhadoras/es pelo seu estrangulamento financeiro, a simples falta de tempo para a intervenção cívica e política (partidária ou não, no "sistema" ou em alternativa a este) – tudo isto contribui para a manutenção, quando não para o agravamento (para @s precári@s, claro) do estado de coisas.

É pois evidente que a precariedade permite a prática (discreta, mas activa) de discriminação negativa, contribuindo para a instabilidade económica e a exclusão social das pessoas discriminadas. O que até é ilegal, mas se a lei não fosse tantas e tantas vezes letra morta não haveria MayDay, nem Precári@s INflexíveis, nem FERVE, nem movimentos LBGT+, feministas, paritários, anti‑racistas, laicistas...

A luta contras os preconceitos e discriminações é transversal às suas múltiplas dimensões (é totó crer que se pode combater o racismo sem combater a transfobia ou combater a discriminação com base na deficiência sem combater o sexismo) e é igualmente indissociável das lutas por outra forma de organização social.
Uma organização em que a sociedade seja participativa e participada, transparente, sensível, solidária, etológica, empática e “compaixonada”, informativa e informada; onde a exploração do que é de tod@s (como os recursos naturais, o ambiente natural, patrimonial e urbano, os conhecimentos, ideias e algoritmos) não sirva apenas alguns; onde a exploração, a precariedade e a exclusão sejam erradicadas.

É por isto que os movimentos sociais que pretendam um mundo melhor devem estar no MayDay e é por isto que o MayDay deve estar nos restantes movimentos sociais. A pluralidade, o diálogo e a solidariedade fazem a força!


Leis e corpo

A quem pertence o corpo de cada um? À pessoa individual? Ao estado? À sociedade? Esta é uma questão que surge ao vermos a noticia de que o governo PS quer proibir determinados piercings. Desde já a ideia parece ser bem mais complexa do que isso, pois alegam que a proibição deve-se estender a piercings e tatuagens que causem lesões nos vasos e lesões cutâneas, excepto nas orelhas. E porque não nas orelhas? Não têm vasos? Nem pele? Que raio de conceito anatómico é este?
A desculpa é que se está a zelar pelo bem estar físico das pessoas. Claro um governo que insiste em desmantelar o Sistema Nacional de Saúde, promove a colocação de cabos de alta tensão em áreas residenciais, não combate a poluição atmosférica, é obviamente um governo preocupado com o bem estar dos seus cidadãos.
Mas políticas governamentais à parte, temos a Ordem dos Dentistas a manifestar o apoio a esta lei, pois afirma que os piercings na região da boca estragam os dentes. Os rebuçados e as pastilhas também. Deveremos proibi-los? Ou deveremos criar uma sociedade de pessoas que não consomem açúcar, não fumam e todas possuem aparelhos correctivos. Que bela e uniforme sociedade seria... Principalmente quando não existem dentistas no Sistema Nacional de Saúde. Nota-se a importância da saúde dentária para o Governo...
Não duvidemos que quer as tatuagens, quer os piercings, produzem lesões na pele e nos vasos, a pessoa tende a sangrar quando faz qualquer um dos dois. Isso é suficiente para proibir algo? Assim bem depressa, vem à mente que o boxe produz lesões irreversíveis no cérebro, lesionando também narizes, bocas, dentes, fígados e rins. Não estarão os jogadores de futebol mais sujeitos a lesões nas pernas que alguém que não pratique desporto? Ou os dedos dos judocas não se partem mais frequentemente? Ou os andebolistas não terão mais lesões nos ombros? Mas praticar desporto é incentivado pelos nossos governantes. Até porque dá saúde...
O pormenor que estraga ainda mais a teoria é a orelha. Muitas crianças de sexo feminino são sujeitas a piercings antes até de conseguirem dizer não, quanto mais não quero. Mas aqui não há problema, nem danos para a saúde. Será lapso? Desconhecimento? Ou imposição cultural? Pois se calhar é isso... Estamos a querer impor parâmetros culturais e estéticos à bruta. E como dizia Bourdieu: “A intolerância estética pode ser terrivelmente violenta” (Distinction: A Social Critique of the Judgment of Taste; Harvard University Press, 1984).
Para as pessoas BDSM esta intolerância é bastante presente e sentida, como se a dor não pude-se ser uma sensação prazerosa. Para as pessoas LGBT também, porque é o corpo sexual que está em causa. Eu posso ter sexo com pessoas de um género diferente do meu, mas se for com alguém do meu sexo, já não posso? A quantas pessoas posso entregar-me sem estigmas sociais? È a nossa representação física de papeis de género, do que é um corpo de homem, ou de mulher, do que é uma relação amorosa, de quantas pessoas podem participar na mesma. Esta causa também é nossa. E é nesta altura de comemoração de liberdade, que é o 25 de Abril, que podemos ver que ainda existem pessoas que nos querem manter os corpos dentro de um fascismo totalitário.

Democracia!? E direitos LGBT!?

Desde 1974 que Portugal vive num Estado Democrático. Com ele vieram muitas benesses e liberdades para tod@s as pessoas. Ser homossexual deixou de ser ilegal. Desde 1973 que a Sociedade Americana de Psicologia (A.P.A.), eliminou do seu manual de diagnóstico a homossexualidade, como doença mental. Eliminou-se a perseguição institucional oficial, deixámos de ser criminosos ou doentes mentais (sendo a Transexualidade a excepção, pois continua a ser vista pelo sistema médico como uma doença mental), passámos a ser livres e cidadãos de plenos direitos. Ou nem por isso?

Nem por isso: ainda hoje em Portugal, o Estado é o primeiro a discriminar em função da orientação sexual ou da identidade de género das pessoas, mantendo regras e leis que estabelecem um apartheid sexual, reservando o acesso a determinados direitos apenas à população heterossexual.
Os exemplos são inúmeros, vejamos apenas alguns:
Em Portugal, a homossexualidade continua a ser critério para o impedimento do acesso à doação de sangue, apesar da falta crónica de sangue.
O casamento entre pessoas do mesmo sexo só é permitido em Espanha, Canadá, Holanda, Bélgica e África do Sul. Em Portugal a união de facto é permitida, mas só aos poucos se têm vindo a conseguir os mesmo direitos que os concedidos pelo casamento. Mesmo que a convergência plena de direitos entre uniões de facto e casamentos, fosse atingida, faltaria confrontar o Estado com a sua política de apartheid sexual e de género activa, com diferenças de direitos legais e sociais em função da sexualidade ou da identidade de género das pessoas, nesta como em todas as áreas.
A adopção de crianças por casais do mesmo sexo, é permitida em 9 países, entre os quais Portugal não se conta. Continua-se a falar de salvaguardar as crianças, nem que seja delas próprias, pois a sua opinião não é contada, nem pedida. O Estado continua assim a negar-nos direitos humanos básicos (o direito de constituir família, o direito à não discriminação com base na orientação sexual).
A discriminação continua a fazer parte da rotina diária das pessoas LGBT (é só tentar lembrar da última vez que se viu casais do mesmo sexo aos beijos na rua, para ter uma ideia do quanto a discriminação afecta as pessoas). Em termos de emprego, ainda existem muitos entraves, levando a que muitas pessoas optem por não revelar a sua orientação sexual.
Os casos de violência vão-se sucedendo com uma frequência indesejada. Os casos mais gritantes, as transsexuais Gisberta e Luna, assassinadas nos últimos 2 anos, mostram uma sociedade e um Estado, no mínimo, insensíveis a estas situações alarmantes de crimes de ódio. Estes casos muito gravosos são acompanhados pela indiferença dos média e da população em geral. A própria sociedade parece relutante em aceitar que possam existir definições de género, orientação sexual e relacional diferentes das impostas como “normais”.
Por tudo isto, surge a questão: 25 de Abril para as pessoas LGBT, é em que ano?